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- Big Fish e a destreza das relações
Por um acaso providencial eu revi Peixe Grande , um filme dirigido pelo Tim Burton, de 2003. O acaso me trouxe esse filme em um momento delicado, mas necessário, já que há menos de dois meses eu perdi um dos meus big fishs. Eu poderia dizer que esse filme fala sobre a vida e a morte da maneira mais lúdica, analógica e poética possível. Mas a ênfase do filme é sobre o que fazemos no percurso entre um e outro, e, principalmente, sobre as relações e as histórias que deixamos neste caminho. A narrativa do personagem principal, Edward Bloom, é conduzida pelo filho, um cético frívolo que percebe tarde demais a grandiosidade do pai, um verdadeiro ser social, um homem criativo, cativante, que através de sua historias constrói uma existência muito mais bonita de se ouvir e de se contar, onde a realidade ganha uma camada de cor, com analogias brilhantes que tiram o fardo da vida e da morte ao mesmo tempo. Rever esse filme com uma complexidade tão grande de personagens coadjuvantes tão importantes quanto o próprio protagonista, me fez pensar sobre a minha própria história. Logo no começo do filme, o protagonista, morador de uma cidade de interior, se vê muito grande para um lugar pequeno. A história que ele conta para ilustrar a vontade de sair daquele lugar, é a de que na adolescência, ele desenvolveu um gigantismo que o fez permanecer 3 anos na cama lendo uma enciclopédia. No dia em que ele descobre que os peixes beta crescem conforme o tamanho do aquário, ele decide sair da cidade. Junto com seu amigo gigante (um excelente recurso para seu alter ego), ele inicia sua trajetória e escolhe o caminho mais difícil para chegar ao destino, a cidade grande. É aí que começa a tecer uma teia enorme de novas amizades e amores, que vai deixando pelo caminho. É importante frisar, sem querer dar spoilers, que em nenhum momento ele esquece de ninguém que passou pelo caminho. No desejo de ajudar um, ele acaba recorrendo a outros, criando uma rede de conexões que formam a história da vida dele. São essas pessoas, seus amigos, que são a verdadeira história de sua vida. É bonito e intenso ver um filme que reforça e valoriza uma história que, sim, tem família e tem o verdadeiro amor, mas gira basicamente em torno da construção das relações de amizade o filme todo. É bonito principalmente pra quem constrói uma vida pautada nesse tipo de relação. Em tempos onde temos cada vez menos tempo e uma vida com o tempo contando regressivamente, acho importante lembrar de quem fez parte da minha história, das pessoas que me ajudaram, das que eu tentei ajudar e das que eu ajudei. Das pessoas que eu ri junto, que eu chorei ao lado, das pessoas que me querem bem, mas não me julgam se eu estiver mal. Gosto de constantemente lembrar das pessoas que fizeram parte da minha caminhada, por menor que tenha sido sua participação, inclusive as que não fazem mais parte dela. Na vida, acredito que todos temos potencial para sermos grandes big fishs. Mas nem todos querem ser big fishs. Rever esse filme nesse momento, me fez ter certeza de que o presente e o futuro que eu construí e estou construindo estão indo de acordo com o que eu sonhei e acredito. Desejo que no final do meu filme, nas lembranças que se passarem pelos meus olhos, eu possa rever os mais importantes personagens que me ajudaram a me tornar a protagonista da minha vida. Big Fish nos mostra que é através da nossa autenticidade que criamos relações duradouras por onde passamos e só assim é possível criar uma rede diversa e duradoura através dos anos, até o final da vida. Disponível na Amazon Prime.
- The Bear e a complexidade e magnitude das relações (contém alguns spoilers)
Quem é fisgado aleatoriamente a dar o play na série The Bear, imagina a princípio que se trata de uma série que gira em torno da gastronomia. Eu mesma, entusiasta da cozinha, mesmo após críticas positivas, mas vagas, vindas de colegas de rede social, tive essa impressão e lá fui eu dar o play. Comecei o primeiro episódio aproximadamente 20hs e claro, como não poderia ser diferente, terminei em torno das 00h15 ininterruptamente. O problema é que quando fui me deitar, após a maratona, não houve a menor condição de pegar no sono: eram muitas questões a serem refletidas depois da machadada do enredo e da surra de atuação de todo o elenco, que inclusive deu merecidamente ao ator Jeremy Allen White, ontem mesmo, o Golden Globe. Não se trata de uma série que tem raiz na gastronomia, mas que usa o cenário caótico das relações egóicas da cozinha como pano de fundo para despertar questões humanas de extrema complexidade, mas que fazem parte do nosso dia a dia, assim como fazer uma refeição. “O quanto estamos dispostos à mudança e a novos processos? Como seniors, qual nosso nível de apreensão com a chegada dos mais novos e uma hierarquização reversa, onde o mais jovem assume a liderança? O quanto estamos maduros para assumir falhas e seguir em frente? E o quanto estamos dispostos a perdoar e baixar a guarda em todas essas questões?” Todas essas questões são abordadas no cenário de The Bear, além de muitas outras que também exploram as relações humanas em toda sua complexidade e magnitude, como luto, vício, suicídio, relações abusivas, enfrentamento, entre tantas outras camadas que esse presente de série carrega. Processos e mais processos O quanto estamos dispostos à mudança e a novos processos? O caos instaurado no início da série, que vai permeando de maneira instável até o final, nada mais é, do que resultado de um lugar inóspito, sem processos e de maneira geral abandonado pelos processos, com um time resistente a qualquer implementação ou novidade que não seja aqueles que já estão acostumados. Dois personagens que demonstram essa resistência com veemência são Tina e claro, o primo, Richie, que sempre utilizam de sua experiência para contrariar qualquer mudança. Enquanto Tina não se rende à organização quase acadêmica de Sydney, Richie se recusar a aceitar que outros tempos chegaram e que é preciso reavaliar metodologias incrustadas no passado. Aquém desses emblemáticos personagens, um momento ilustra bem a questão dos processos, que é quando Gary questiona o porquê de estar usando uma escova de dentes para limpar sua estação, e Carmen responde: “O importante é consistência e ser consistente. Não podemos funcionar a alto nível sem consistência.” Como lidamos com isso diariamente no nosso ambiente de trabalho? Isso me pegou diretamente, porque vivo a me questionar sobre processos e o quão chatos eles são, mas que no final das contas, são de suma importância para todo e qualquer ambiente. Sênior X Junior A tensão que se estabelece com a liderança dos mais jovens O maior emblema da série em relação a essa questão é o conflito vivenciado por Tina com a chegada de Sydney. A cozinheira resiste até quase o final da série, sabota e hostiliza a jovem, usando o argumento de que quando chegou naquela cozinha ela não havia nem nascido, mas no final, acaba se rendendo à liderança da recém formada, não só pelo seu talento, como também pela empatia e leveza na condução dos processos em um, até então, ambiente completamente hostil. Uma das grandes lições da série: o quanto temos que nos despir de ego e aceitar que os mais jovens podem ocupar espaços de liderança tão bem quanto os mais experientes. Sou humano, logo falho O quanto estamos maduros para assumir falhas e seguir em frente? E o quanto estamos dispostos a perdoar e baixar a guarda em todas essas questões? Gary - que está tão obcecado na busca do donut perfeito - acaba por utilizar um equipamento de maneira errada e deixa todo restaurante sem energia. Cabisbaixo nos fundos do lugar diz a Carmy que estragou tudo e que não vai mais errar. Carmy responde, “Vai sim, mas não porque você é assim. É porque merdas acontecem.” e conta como ele, o melhor chef do mundo, quase incendiou o restaurante em que trabalhava em uma premiação, tranquilizando-o. Episódio que vem a se repetir na cozinha do Original Beef, mostrando que erros podem sim, se repetir. Todos erram e isso todo mundo diz. Mas o quanto nos cobramos por isso e acabamos por adoecer por conta de nossos erros? Nos cobramos mais do que deveríamos? Talvez, na comparação com Gary, se cobrem mais aqueles que têm poucas oportunidades e na tentativa de entregarem o melhor, acabam se punindo mais em relação aos erros. “Você tem um talento imenso, mas é uma má pessoa” E embora ainda quisesse escrever uma tese sobre The Bear, encerro com essa frase que me deixou extremamente sensível. O quanto o ser artístico pode ser ególatra e acabar ferindo outras pessoas não intencionalmente? O quanto devemos nos monitorar para que nossa habilidade e talento não corroam nossa alma e o quanto devemos praticar a generosidade, principalmente em ambientes profissionais em que herdamos egolatria, hierarquização, centralização e hiperlativismos, ensinando e estimulando bons profissionais, ao invés de criarmos um pódio imaginário de apenas um competidor? Maratonar essa série nesse momento da minha vida foi um verdadeiro presente. E eu espero realmente durante todo esse ano que se inicia, lembrar de todas essas questões para criar vínculos mais humanos, leves e por que não, familiares.

